15.5.07

7Aparte: Uma Cabana e Tudo o Resto



Senti aquele perfume familiar que me deixava feliz. Era fim da manhã e um sol aconchegante aquecia-me cada um dos meus poros. Estendi-me na relva fresca de um dos mais longos campos daquela floresta, braços abertos, crucificado em solo de bem acompanhados. Eu, o sol e as formigas, que me escalavam a pele, num acto que noutro dia seria sinónimo de irritante comichão e hoje era somente deliciosa cócega. Eu, o sol e as formigas. E algo mais…
- És tu Vera?
- Primo!

Uma Cabana e Tudo o Resto

Dei-lhe um beijo em cada bochecha, sempre um acto hipócrita de contenção. Sorrimos um para o outro, de olhares fixos e ternurentos e caminhámos em direcção à casa na árvore, o nosso antro de sempre. Ela estava linda, com um gancho vermelho a apanhar-lhe o cabelo da forma que eu mais gostava e aquele ar meigo que até a mim me contagiava. Sabem aquela pessoa que nos puxa, e faz nascer o nosso melhor lado, o nosso melhor ego? Era ela, a minha prima Vera…
- Ajudas-me a subir? – Perguntou-me ao chegarmos junto à escada no tronco da árvore.
- Tem de ser, não é? – Respondi ironicamente, entre um sorriso cúmplice.
Peguei-a ao colo de uma assentada e ela trepou para as minhas cavalitas, agarrando-se à escada.
- Atreve-te a olhar p’ra cima agora! – Disse, refilona mas provocadora.
- Diz-me Vera: o que é que aquela nuvem te faz lembrar?
- Qual?... Ah! Estúpido!
Tarde demais. As chapadas não me doeram...
Subimos até à cabana e entrámos, directamente para o colchão simpático que havia num cantinho, paraíso de muitos casais, junkies e sem-abrigos ocasionais. À porta, havia um ninho de roseicollis, o pássaro do amor. Nada mais apropriado, para um ambiente já de si idílico. Ela aconchegou-se ao meu colo, começámos com as nossas brincadeiras de sempre. Tapei-lhe os olhos, soprei-lhe a nuca e atrás da orelha. Ela riu-se e ripostou com um beijo no meu pescoço, eterno ponto fraco. O jogo consistia em ver quem aguentava mais tempo sem vacilar um beijo. Depois do truque do pescoço, o jogo não teve mais condições para continuar. Perdi e com gosto; beijámo-nos com prazer e sofreguidão. O resto é história.

Várias horas depois…

Ela estava deitada, adormecida, enquanto eu apreciava o mínimo movimento manifestado pelo seu corpo, inspiração, expiração, inspiração, expiração muda. Como habitual, acordei primeiro do que ela, só para a ver dormir e para divagar entre cachos do seu cabelo nas minhas mãos. Sempre fui alguém com poucas certezas e falta de verdades absolutas apaziguadoras, mas é em momentos assim que relaxo, sorrio e penso que a vida vale a pena ser vivida e aproveitada ao milissegundo. Momentos proibidos, eu sabia. Deliciosamente proibidos.
Entretanto, já começava a entardecer, o tempo arrefecia. Beijei-a na testa, prolongadamente, enquanto senti-a espreguiçar e admirava o seu esgar de contentamento. Abriu os olhos…
- O sol já está a pôr-se. Quanto tempo estive a dormir?
- O quanto eu te deixei estar.
- Convencido! Aposto que só acordaste uns minutos antes de mim…
- Lembras-te que a cabana estava praticamente vazia quando chegámos certo?
- Err… Sim.
- E que não havia mais nada cá sem ser o colchão e as mantas?
- Sim, sim, lembro-me. E então?
- Então… Fecha os olhos!
Ela fechou-os, sorrindo e antecipando uma surpresa.
- Estão fechados!
- OK. Levanta-te com calma, agarra a minha mão e não a largues, segue-me até onde eu for. Mas não abras os olhos!
- Está bem…
Ajudei-a a levantar-se e encaminhei-a de costas para mim até à porta, onde os últimos fogachos de claridade se faziam notar.
- Acorda Eva!
Abriu os olhos, envolta pelos meus braços, com as minhas mãos a segurarem uma maçã encarnada, que eu tinha ido buscar à macieira do lado, enquanto ela dormia.
- Tu conheces-me mesmo! Eu acordo sempre com fome! – Disse, radiante.
- Conheço-te, pois! Também por isso é que te deixei dormir sem que perdesses o entardecer e que o pudesses ver comigo.
Ela sorriu e aconchegou os meus braços, com mais força, enquanto eu debruçava a testa na nuca dela.
- Amo o pôr-do-sol. Lembra-me que não estou morta, nem velha, nem fria. Amo poder vivê-lo contigo, porque assim não terei de o recontar, com as nuvens de quem relata em diferido. As nossas íris contemplam a mesma e exacta coisa, no mesmo exacto momento, cada uma delas, todas elas.
Entrelaçámos as mãos. Agora seria a parte em que eu descreveria o nosso beijo e a forma como ele aconteceu. Mas como retratar um beijo, quando ele surge sem regra nem preparação? Para além disso, toda a gente sabe o que é um beijo. Mas ninguém sabe o que é o meu beijo, porque ele é só meu. E um beijo não existe como uma manifestação eternizada; é o resultado de um instante, de um momento. As minhas turvas palavras não são mais do que outra tentativa frustrada de outro pensador explicar o inexplicável.
Pecado. Arrependimento. Medo. Cada um destes sentimentos sussurrava-me ao de leve. Desejo. Paixão. Carinho. Todos eles esmagavam-me os sentidos.

Após o tempo de um beijo. Um bom beijo…

Descemos até à relva e abraçamo-nos por uns momentos.
- Quando é que te volto a ver? – Perguntou-me.
- Quando quiseres. Vou estar no sítio do costume.
Sorrimos um para o outro.
- Primo, eu…
- Eu também. – Interrompi-lhe, completando com um beijo.
Porque há um sem número de coisas que as palavras não transmitem.

Vi-a partir, sorrindo e mostrando-me a língua. Nunca sabemos à partida qual é a última vez que vamos estar com alguém, e no fundo, essa vez não é diferente de todas as outras despedidas temporárias; simplesmente permanece eternizada como a última vez.
Mostrei o meu mais largo e genuíno sorriso, enquanto cruzei o olhar com a minha Primavera pela última vez.

3 comentários:

Anónimo disse...

maior rebarbas a comer a prima assim sem dó nem piedade, pensas ko ppl n percebe pkek adormeceram...
lisandra, sofia, etc.(muito etc. lol), e até mesmo quisá tia amiga do rosé :
CUIDADO KU KASTOR TA NA ZÒNA!!!
LOL hehe

Miranda Hobbes disse...

Em 1º lugar as minhas desculpas pelo breaking and entering... Mas passei por aqui quase por acaso e não resisti a comentar.
Adorei este texto. Adorei mesmo. Acho que nem vale a pena dizer mais nada, apenas que além de ter adorado o texto, adoro quando alguém põe em palavras teorias (verdades) que já sabemos, mas que ganham sempre outra cor em texto...
A emoção das despedidas é não podermos ter a certeza absoluta de que serão apenas temporárias...
E verdades absolutas são ilusórias, até prova em contrário.
Beijinho*

Anónimo disse...

Bem, antes de mais quero pedir desculpa pela ousadia de comentar o teu blog, porém, depois de me ter sido recomendado pela Lisandra não resisti em comentar um texto tão maravilhosamente descrito, capaz de captar a realidade na perfeição...
Todas as palavras,todas as vírgulas, pontos e vírgulas e pontos finais caminham em sintonia pela mesma direcção... todo o conteúdo é reflectido e sentido da forma mais pura...
Parabéns pelo texto, pela forma como descreveste sentimentos impossiveis de não serem sentidos, se é que me faço entender...tudo se sente!
Continua;P
Beijinho