19.8.05

Gasolina - Anestesia Local

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Vencer a dor? Todos procuramos intimamente uma solução – das teorias mais cerebrais que possam ser concebidas, aos elixires mágicos que tudo conseguem com o mínimo de sacrifícios. Não posso concluir muito quando ainda me atormentam dores anciãs, cuja esperança média de vida ultrapassa a de árvores caducas. Mas não escrevo textos como um condenado a um destino... Ao mesmo tempo que a incerteza absoluta é, paradoxalmente, do domínio matemático. E a Vida é uma ciência superior.
Reconhecer a dor. O primeiro passo para qualquer cura é admitir a sua necessidade. É o oposto do conformismo e é isso mesmo que é importante realçar, mais do que o direito a estar inconformado, o dever. Dedico este texto aos meus irmãos do peito...

O Homem é um bicho poderoso, ele alcança quase tudo o que pretende. Comandado pelo sonho, pelo espírito da conquista e aventura, pelo amor, ele desvendou continentes, comunicou além dos limites da sua voz e audição, aterrou na superfície da Lua e mostrou-a a todos os que lá não estiveram. Dominou Matemáticas, Físicas, desenvolveu Medicinas. Hoje não concebemos facilmente uma realidade onde a tuberculose dizimasse populações; amanhã, quem sabe, deixaremos de ver seres humanos perecer com HIV no sangue. Ou talvez depois de amanhã... Evoluímos constantemente no sentido de limitar as adversidades físicas que nos são intrínsecas. E é aqui que surge o conceito de anestesia. Ela existe para amortizar uma dor que acaba por reaparecer, ainda que mais leve. O Homem não quer sofrer, custe o que custar. Como sentir-se-ía alguém, então, se não sentisse? Nem bem, nem mal. E se não se sentisse mal... Vem-me ao pensamento a resposta “pode ser”. O “pode ser” não é dizer que sim. É não dizer que não. E a Vida tantas vezes faz-nos recusar a recusa...

Não nos sintamos mal, pois então. Flutuemos neste lago de leite-creme, onde rochedos são de morango e chocolate, numa Terra de açúcar e dentes sem cáries. Flutuemos, como num ventre materno, em pleno líquido amniótico, tão livremente dependentes, tão desconfortavelmente protegidos. Até à hora do parto, quando formos cuspidos de volta ao local de onde nunca partimos, nem nós, nem as nossas dores. Agravadas agora por um degenerado corpo, sedento de mais gasolina e uma alma que já esqueceu a sua própria morada. Bem-vindos a casa, ao mundo cruel, o único que podem odiar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Por entre a chuva e por entre o mar
Num mundo feio ke eu amo tanto
E ke tanto me faz falar

De que forma sou defeito, rotina,
ou destino...e me critico.
Mas admito...

Que é esta sina e este local bonito
Que são, então, aquilo que sou.
Embora eu não saiba o ke seja
Sei que penso...E sei que estou.