26.4.05

O Purgatório

Posted by Hello


O miúdo fechara-se, como lhe era hábito, na sua pequena sala sem janelas para espreitar o mundo. Em seu redor tinha apenas os quadros que enfeitavam as turvas paredes, sedentas, também elas, de cor e de luz. Uma porta em cada extremo: a de origem e a do desconhecimento, trancada com sete chaves, que nem Guerras e Descobrimentos conseguiram desvendar. Nem uma delas, que fosse... Restava-lhe, portanto, olhar os quadros, devidamente assinados com as iniciais dos seus pintores, cada um deles uma vida, cada um deles um mestre.
Um olhar contemplativo nas pinturas e dissecava em cada pincelada, uma palavra e em cada forma desenhada, uma frase. Captara a sua atenção um quadro inacabado, tingido por artistas desta e de outras histórias, que procuravam, desta feita, mais do que representar a beleza de um ser, ou uma mescla revigorante de cores... Desta feita, queriam, isso sim, alcançar um conforto, desenhar não apenas o fogo que ilumina, mas também aquele que aquece. Era um quadro dividido em duas metades, com dois homens idênticos em cada uma delas. A separa-los estava um crucifixo, que só um deles empunhava. Em seu redor erguiam-se formas parecidas, mas pintadas em tons diferentes. Apalpando-as com os olhos, o miúdo procurou numa das suas derradeiras dúvidas, um calor que lhe lembrasse o aconchego de um ventre materno. Olhou profundamente e pensou para si mesmo:

“Aconteça o que acontecer, os religiosos sentem-se sempre amparados por algo ou alguém que supostamente está a tomar conta deles, enquanto que um ateu tem a consciência de que a vida é efémera e quase sem significado [BH]. A religião dá resposta a muitas perguntas que nos deixam angustiados, enquanto quem não tem uma religião, tem que procurar sozinho estas respostas [JB]. Porém, aquele que não tem religião vive na realidade, sem condicionamentos de vida, não se baseia num ser que nunca ninguém viu e que possui poderes extraordinários [TR]. Não é possível provar que Deus existe. Pois não. Mas também não é possível provar que não existe. Ficamos na incerteza do livre arbítrio. Todos acreditamos em alguma coisa, mas considerando que há chefes religiosos acima de nós, não terá sido a religião a dar-nos a paz. Teremos sido nós a encontrá-la. Mascaramo-la de religião, como a poderíamos mascarar doutra paixão qualquer [MS]. A religião é apenas um guia que nos ajuda a fazer escolhas, ou melhor, a não fazer escolhas, já que há certas escolhas que "deus" já fez por nós. Dizer que a religião traz felicidade é como acreditar na sorte. Ambos são uma questão de fé, deus e a sorte. [FV] Pois bem... Se repararmos, de facto, que certas pessoas se "desligam" de um nível social para adoptarem e centrarem-se num patamar divino, ok... Tanto me faz. [VJ] Acho que é mais feliz o cão que vive na rua, despreocupado na companhia das suas pulgas, comendo os restos que encontra no caixote de lixo dos dois... [IA]

Os seus dedos ferviam, ainda que só na epiderme. Toda aquela panóplia de cores deixara-o extasiado, mas paradoxalmente, insatisfeito, incompleto, inacabado como o quadro que contemplara. Mal sabendo desenhar, sentiu-se tentado a pegar num pincel e tornar-se adulto de uma assentada, mas era-lhe de todo impossível. Não era uma mão firme que lhe faltava, mas antes uma mão quente. Verdadeiramente quente... Depressa, pegou pois no pincel, com os seus já arrefecidos dedos, e esboçou um começo. Sorriu, olhando para o homem sem artefactos, deu-lhe uma árvore e uma criança, e saindo pela porta de onde veio, cantarolou uma melodia muito dele, enquanto acabava este texto, não com um ponto final, mas com reticências...





CRÉDITOS

Pintores:
BH: Bruno Henriques
JB: João Bispo
TR: Telmo Rodrigues
MS: Micaela Santos
FV: Francisco Viegas
VJ: Vítor Jorge
IA: “Intelectual Anónimo”

Muito Obrigado

3 comentários:

M disse...

;D;D;D;D n tenho os ditos smilies pa m vestir...

de uma longa e conturbada gestação, só podia sair uma coisa assim, alem d completamente diferente dos anteriores como jah m tinhas prenunciado, enigmática,enevoada e recheadinha de metáforas... com cuidadinho lah vou eu desbravando caminhos para descobrir,por baixo de todos os pensamentos de terceiros, a [talvez tb inacabada]conclusao a que chegaste, composta por ttas cores diferentes

a minha, apesar de tudo, mantenho-a, como um lord do alto da sua cadeira,feita idiota. tb foi pla tua sugestão de pincéis k eu fui subindo. deus(?) queira q mais dia menos dia caiamos todos...

Anónimo disse...

Venho aqui pagar a minha divida, antes de mais tamos aqui a falar dum assunto bastante sensivel, não digo q já fui crente pq a crença deve existir com consciência, mas provenho duma familia catolica, e sempre me admirou pq é q não podia comer carne á sexta-feira antes da páscoa, até um dia q comi e não me aconteceu nada por incrivel...não, mas a sério, sou ateu pq nenhum deus tem cabimento na minha lógica, como pra mim qq deus imaginado pelo Homem é falso pq o Homem é corrumpido pelo tudo q o involve, prefiro descender duma celula do que pensar q a minha futura mulher roubou me uma costela...

Anónimo disse...

E recomendo o pequeno grande livro anarquista, as 12 razões pra inexistencia de Deus.