7.9.05

Borrachas de Tinta e Desenhos em Carvão

Posted by Picasa


A História não é feita de pequenos actos ou emoções. A História, não a soberana, mas aquela que nos diz respeito, constrói-se a partir de momentos irreversíveis – bons e maus momentos...

Como Humanos na Vida, alunos na escola. Existem dois instrumentos de escrita clássicos, acima de todos os outros: o lápis e a caneta. Desde cedo aprendi a diferença de responsabilidade que existe, primeiro ao esboçar com um lápis, em seguida assinando com uma caneta. Sinto que quando escrevo a tinta faço parte de algo que ultrapassa a minha própria dimensão, transcende largamente os limites da minha existência. O alcance, esse, é infinito e embora o seu cheiro se desfaça, a tinta mantém o seu aspecto como um cadáver embalsamado. Ora, os grandes actos, aqueles que nos definem, excedem claramente o nosso umbigo e atingem tudo o que está em nosso redor, perdurando eternamente nas memórias, como películas revistas ciclicamente – filmes que protagonizámos, não como actores, mas como personagens autênticas. As borrachas de tinta são, assim, e mais do que nunca, objectos amorfos, incapazes de cumprir decentemente a função para a qual foram concebidos.
Já o lápis é bastante diferente. Sempre me assentou nos dedos levemente, com laivos de rebeldia e até mesmo irresponsabilidade. Se alguma coisa saísse mal, borracha em cima! O lápis é o treino, é a vida a brincar, são esses momentos que passam, vão e vêm, desvanecendo-se por fim, como desenhos feitos na areia, à beira-mar.
Parecemos, portanto, condenados a uma prisão perpétua de seriedade, condenados a sermos caracterizados e relembrados por momentos em que um ofuscante foco de luz nos alveja e limpa a maquilhagem, se isso for necessário. Resta-nos, então, nesses exames da vida, afinar a caligrafia...
Mas esqueçamo-nos por uns instantes da tinta das canetas. Lembremo-nos daquele desenho que apagámos mas que ainda se distingue no turvo branco dos cadernos, entre nódoas de dedos com grafite. Esse... e tantos outros. Sorrisos amarelos, lágrimas de crocodilo; risos eufóricos, choros sentidos; conversas de tudo e do nada, em tardes e noites sem nexo ou longas e inesquecíveis, a brincar, entre tons de esboço e um viver de faz-de-conta. E não é que me lembrei de coisas maiores do que eu próprio e até do que a eternidade da tinta? Lembrei-me de tantas pequenas coisas que nunca esqueci. Lembrei-me de mim... Num rascunho de tinta de um pequeno texto – pequeno, mas eterno. Pequeno, porque não quer ser grande. Como um desenho em carvão...

Nunca me será permitido um novo olhar a cada pequeno momento da minha vida. Sorrirei com todos os que conseguir ver e mostrar novamente. Bons e maus momentos...

1 comentário:

Anónimo disse...

deves ser 1 pessoa maravilhosa...